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A nutrição na era dos extremismos

A nutrição na era dos extremismos

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Por Goretti Tenorio, para Estúdio Abril Branded Content

Ela cursou nutrição na Universidade de São Paulo, é mestre em ciências pela Universidade Federal de São Paulo e tem formação em health and wellness coaching pela Wellcoaches/Carevolution. Como se vê, curiosidade científica é da natureza de Marcia Daskal, da Recomendo Assessoria em Nutrição, de São Paulo (SP). A característica, aliás, se combina à perfeição com seu perfil desafiador. “Tenho DNA provocador, faço provocações com colegas, cientistas e jornalistas”, diz.

Diante de seus pares de profissão, Marcia não se obriga a levar fórmulas e soluções prontas. Foi assim em sua participação no Simpósio Alimentos Processados: Fake Food ou Fake News, promovido em agosto de 2019 pelo Ilsi – International Life Sciences Institute Brasil – e que reuniu profissionais para esclarecer dúvidas sobre alimentação saudável e as verdades e mitos sobre alimentos processados. Convidada a falar sobre o tema “Nutrição: do extremismo ao naturalismo”, ela conta que foi logo avisando: não estava ali para fazer julgamentos. “As pessoas procuram uma resposta única e definitiva sobre o que é bom e o que é ruim. Pois eu acho um baita privilégio estar no meio do furacão das mudanças.”

Em conversa com a BIO, Marcia Daskal esmiuçou seu ponto de vista sobre como a polarização vem dominando também as escolhas alimentares.

BN: O que, afinal, é se alimentar de forma saudável?

MD: As pesquisas mostram que é preciso manter um alto consumo de frutas, verduras e legumes, porque tudo isso vem acompanhado de fitoquímicos, vitaminas e minerais. Além disso, garante uma diversidade de fibras, que alimentam a microbiota. Mas saudável mesmo é comer de tudo, desde que num formato que faça sentido para a pessoa, que seja compatível com seu gasto de energia, se encaixe na sua rotina diária.

BN: Estamos vivendo uma época de muita cobrança em relação à alimentação. Isso se deve ao excesso de informação circulando?

MD: A abundância de informação pode, sim, confundir. O conceito básico parece ser: você pode ser melhorado. Sempre tem algo a ser modificado, seja na educação, na criação dos filhos, em como cuida do cachorro. Na alimentação também é assim. Hoje preciso brecar o desejo insaciável das pessoas de modificar alguma coisa na dieta. A sensação é de que nada é bom o suficiente. Se estamos aqui comendo um croissant, logo esperamos uma crítica: nossa, cadê a fruta? Cadê as fibras? Não importa se no restante do dia você coma um monte de verdura. É preciso resgatar a tranquilidade de comer.

BN: E como chegamos aos extremismos?

MD: Ao preparar minha palestra para o simpósio do Ilsi, me lembrei imediatamente do [filósofo franco-suíço Jean-Jacques] Rousseau e o mito do bom selvagem, a ideia de que o homem na natureza é bom e o que corrompe é a sociedade. É um pouco o que está acontecendo hoje. Tem um apelo muito grande do que é natural e se criou uma aversão a tudo que é processado, como se isso fosse uma simbologia do mal. Por isso citei o pesquisador Alan Levinovitz [autor de A Mentira do Glúten]. Ele aborda essa linguagem da culpa, do pecado. Você é puro se come determinadas coisas. Ou se sente superior porque come de determinado jeito. Para nós, ocidentais, hoje o certo é sem açúcar, sem glúten, sem lactose.

BN: Alguns dos famosos vilões das refeições...

MD: Essa coisa do vilão tem a ver com os demônios da linguagem religiosa. O fato de que o excesso de sal e açúcar, num determinado contexto de estilo de vida, possa causar problema não significa que devam ser proibidos. É preciso parar com o julgamento moral. Se a gente ficar preso em muitas regras vai se sentir sempre inadequado. Não existe aniversário sem brigadeiro, casamento sem bolo. O olhar só para calorias ou só para nutrientes falhou. Fez com que as pessoas se sentissem culpadas. E quando elas estão culpadas comem pior.

BN: Então o naturalismo é também um tipo de extremismo?

MD: Sim, porque é uma linguagem extrema. Desde que o homem deixou de ser nômade ele faz domesticação de animais e plantas, para se tornarem mais comestíveis, para render mais. Na minha apresentação, mostrei uma imagem de um pêssego de antigamente. Não dava para comer, era amargo, tinha um caroço enorme, a casca dura. Se não fizéssemos intervenção e deixássemos tudo por conta da natureza, não teríamos sobrevivido como espécie. As pessoas podem se intoxicar, por exemplo, com chás e outros ingredientes naturais. A indústria tem, ou deveria ter, um controle sobre a cadeia de fornecimento, usando o mínimo processamento possível, usando água de maneira mais racional. É simplista dizer que só o natural é bom. Finalizei minha palestra do Ilsi mostrando uma imagem dos Jetsons [desenho animado], em que as máquinas iam soltando os alimentos, relacionando isso com os restaurantes pop-ups [Food Ink, evento itinerante que já passou por cidades como Londres, Nova York e Paris e deve em breve chegar a São Paulo], com tudo produzido em impressora 3D, da decoração aos talheres, incluindo a comida, que é feita a partir de cartuchos de ingredientes alimentares.

BN: Esse tipo de coisa é assustadora para uma nutricionista?

MD: Não importa se é assustador ou não. É a realidade. A gente tem de rever os conceitos. Estamos vivendo uma era como nunca antes. No passado só se podia comer quando se caçava, coletava ou fazia conserva. Hoje tem diversidade, alimentos de diferentes lugares do planeta.

BN: E, na sua opinião, para onde esse aprendizado vai levar a nutrição?

O consumidor hoje quer experiências mais naturais, quer saber como o alimento é feito, se ele é fruto de comércio justo. Mas também quer aproveitar ao máximo a tecnologia. Não podemos negar isso. Comer só comida industrializada ou só comida natural é insustentável. Gosto de saber que tem nutricionistas trabalhando em diversas indústrias, porque são profissionais com um papel superimportante ali, norteando pesquisa e desenvolvimento. A indústria só faz coisa legal? Não, não todas. Mas muitos bons produtos que existem hoje se devem aos nutricionistas que puderam colaborar, dar opinião, palpitar. O futuro é promissor.

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