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Dossiê da Vitamina D

Dossiê da Vitamina D: tudo que você precisa saber

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Foco de interesse da comunidade científica nas últimas décadas, ela não pode faltar mas também não deve ter seus níveis extrapolados, sob pena de colocar em risco a saúde.

Por Goretti Tenório, para Estúdio Abril Branded Content

Do protagonismo nas funções musculoesqueléticas ao perigo das megadoses, a vitamina D vem sendo cada vez mais objeto de pesquisas pelo mundo – cujos resultados, diga-se, nem sempre estão isentos de controvérsia. Nesta entrevista, a nutricionista Ligia Martini, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e organizadora do livro Cálcio e Vitamina D – Fisiologia, Nutrição e Doenças Associadas, fala sobre o papel desse micronutriente e a importância de regular sua presença no organismo.

BN: O que é a vitamina D?

Ligia Martini: A vitamina D é um micronutriente que, na sua forma ativa, desempenha funções fisiológicas. O mecanismo é o seguinte: existe um precursor na pele dos mamíferos que, pela ação do raio solar, forma uma pró-vitamina D. Na sequência, ela entra na corrente sanguínea e vai para o fígado. Nesse órgão, sofre um processo chamado hidroxilação e se transforma na vitamina D, só que ainda não na sua forma ativa. Nesse momento, ela é a 25OHD [25-hidroxivitamina D], que segue para os órgãos nos quais vai atuar. Quando medimos os níveis de vitamina D, estamos nos referindo a essa forma, a 25OHD. Para se tornar ativa, ela precisa chegar aos rins, sofrer uma nova hidroxilação para então se converter no hormônio chamado calcitriol, a vitamina D ativa.

BN: Quais as ações da vitamina D ativa?

Ligia Martini: O calcitriol favorece a absorção de cálcio do intestino e assim beneficia os ossos. Esse é o seu principal mecanismo conhecido. Mas hoje se sabe que essa segunda hidroxilação se dá também em outros órgãos. No pâncreas, por exemplo, ela produz hormônio para atuar na secreção da insulina. Há vários estudos mostrando a vitamina D como fator de proteção contra o câncer. Outros destacam seu papel no sistema imune, sua influência no sistema cardiovascular, na prevenção de diversas doenças.

BN: Por que a vitamina D tem recebido os holofotes em pesquisas, na mídia, nos consultórios?

Ligia Martini: Quando o raquitismo, a condição mais grave causada pelo déficit de vitamina D, foi erradicado, e com o conhecimento de que o sol é sua principal fonte, um cenário de carência não era considerado. Hoje, diante do aperfeiçoamento da técnica para avaliar a adequação da vitamina D no organismo, e também devido à maior prevalência de osteoporose com o envelhecimento populacional, a deficiência da vitamina D entrou em evidência. Inicialmente nos países da Europa e Estados Unidos, mas foi posteriormente pelo mundo afora, independentemente de serem lugares ensolarados ou não. Isso porque, com a mudança de hábitos de vida, a gente quase não se expõe mais ao sol. Em casa, no trabalho, quase sempre estamos em ambientes fechados. Sem contar o impacto da poluição, do tipo de vestimenta.

BN: O protetor solar é um complicador nesse contexto?

Ligia Martini:Ele inibe bastante a síntese de vitamina D na pele. Mas o fato é que grande parte da população nem usa protetor. E, quando usa, é no rosto, ou só no verão. A diminuição da exposição ao sol está muito mais relacionada ao estilo de vida mesmo.

BN: Mas é possível obter a vitamina D dos alimentos, certo?

Ligia Martini: São poucos os alimentos que têm vitamina D naturalmente, caso da gema do ovo, sardinha, salmão, atum, os peixes mais gordurosos de uma maneira geral. No leite e seus derivados, como queijo e iogurte, também aparece em pouca quantidade. Nesse caso, estamos falando de vitamina D3, de origem animal, e ela tem a mesma função da vitamina D sintetizada pela pele.

BN: Ela pode vir também de vegetais.

Ligia Martini: Sim. Aí se trata da vitamina D2, presente em itens como cogumelos e vegetais verde-escuros, mas também em quantidades muito pequenas. Assim como a D3, ela tem ação igual àquela garantida pela exposição solar.

BN: No organismo, as vitaminas D2 e D3 atuam de forma diferente?

Ligia Martini: Nem tanto. Alguns estudos apontam que a ação da D2, dos vegetais, não seria tão proeminente quanto a da D3. Mas isso é controverso. O pesquisador americano Michael Holick [professor da Universidade de Boston], por exemplo, mostrou que cogumelos expostos a raios ultravioleta têm uma quantidade enorme de vitamina D2, com ação igual à da D3 e à ativada pelos raios UVB na pele. [1]

BN: Existem dados sobre deficiência de vitamina D no Brasil?

Ligia Martini: Primeiro temos que diferenciar deficiência de insuficiência. Deficiência é o estágio mais grave, relacionado ao raquitismo, à osteomalácia, a doenças graves e tempos prolongados de internação, à desnutrição. Já insuficiência, o mais comum por aqui, esta atinge mais de 50% da população. Mas ela não está necessariamente relacionada ao risco de desenvolver problemas de saúde. Não é porque uma pessoa apresenta insuficiência que vai, com certeza, desenvolver osteoporose. Porém, é importante acompanhar, cuidar, melhorar a alimentação e os hábitos de vida, fazer caminhada ao sol, com braços descobertos, para assim sintetizar a vitamina D.

BN: Qual é a dosagem considerada adequada de vitamina D?

Ligia Martini: Para a população em geral, dita saudável, uma corrente de pesquisadores defende que um valor a partir de 20 ng/ml. Mas também nesse assunto existe uma discussão sobre qual seria o ponto de corte. Porque todo mundo passou a solicitar a dosagem e, como a maioria apresentava índice insuficiente, logo se prescrevia a suplementação. Então os experts da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia publicaram um consenso com recomendações sobre quem deve dosar vitamina D e o nível abaixo do qual seria necessário suplementar. [2] Para crianças, a avaliação é indicada quando não têm alimentação adequada, apresentam obesidade ou condições como diabetes tipo 1, câncer, doenças gastrointestinais. Em adultos deve ser feita principalmente em idosos, pessoas com obesidade e doenças crônicas, mulheres na pré-menopausa e durante a menopausa. Para esses grupos de risco, o ponto de corte do nível de vitamina D é 30 ng/ml. Abaixo disso, é considerado insuficiência. Abaixo de 20 ng/ml, deficiência.

BN: Os 20 ng/ml valem, inclusive, para mulheres grávidas?

Ligia Martini: Não. Na gestação e durante a amamentação o valor considerado adequado é 30 ng/ml.

BN: Por que os obesos estão no grupo de risco?

Ligia Martini: Porque neles a deficiência costuma ser bastante acentuada. Como a vitamina D é lipossolúvel, ela se armazena nos adipócitos, nas células de gordura. Quanto maior a quantidade de tecido gorduroso, mais vitamina D vai ficar estocada ali, sem desempenhar as funções esperadas. Por isso, para obesos, o ponto de corte da vitamina D deve ser 30 ng/ml também. Nesse grupo, para se manter no nível adequado, muitas vezes é necessária a suplementação.

A pessoa que faz cirurgia bariátrica e perde a gordura volta para o grupo considerado normal?

Ligia Martini: Não. O metabolismo de absorção de nutrientes desse indivíduo se altera em razão da cirurgia. Então ele sempre vai precisar ficar nos 30 ng/ml para não correr o risco de deficiência.

BN: A que outros problemas predispõem à carência de vitamina D?

Ligia Martini: Principalmente a doença renal crônica. Porque a pessoa cujo rim já não está funcionando direito não faz a hidroxilação da vitamina D. Esses casos exigem suplementação da forma ativa da vitamina D, o hormônio calcitriol. O mesmo acontece com alguns tipos de câncer e doenças autoimunes, como diabetes tipo 1 não controlada.

E a tendência de tratar doenças degenerativas como esclerose múltipla com superdosagem de vitamina D?

Ligia Martini: É outra questão polêmica. Até tem relatos de pacientes que receberam superdosagem e apresentaram melhoras, mas não há estudos com grande número de casos, ensaios clínicos bem desenhados, bem avaliados, para mostrar o efeito em longo prazo. Por quanto tempo os benefícios se sustentariam? Não se sabe.

BN: Em indivíduos saudáveis, existe perigo no abuso de suplementação?

Ligia Martini: O risco de toxicidade é baixo, embora apareça na literatura. Quando isso acontece, os sintomas são inespecíficos: dor de cabeça, náusea, vômito. Mas o exagero pode até levar à calcificação arterial, infarto e morte. Casos assim são muito raros, mas acho perigoso usar suplementação sem necessidade. Como nutricionista, se o paciente apresenta índices baixos de vitamina D, o ideal é incentivar a mudança de hábito para se expor mais ao sol, assim como melhorar a alimentação.

Além da alimentação e do sol, que outros recursos podem ser usados para manter os níveis adequados de vitamina D?

Ligia Martini: Como hoje em dia se toma pouco sol, o que se preconiza é a fortificação de alimentos. Em pesquisas, a estratégia se mostra eficaz para conter a insuficiência de vitamina D, sem necessidade de suplementação. [3][4] Nos países onde a fortificação é mandatória, como Islândia, Finlândia, com clima frio e poucos dias de sol, quase não existe deficiência.

BN: Na sua opinião, a fortificação obrigatória seria bem-vinda no Brasil?

Ligia Martini: Não enquanto não for feito um mapeamento adequado do status da deficiência ou insuficiência no país. Em São Paulo, com tanta poluição, esse problema pode ser mais acentuado do que numa cidade no Nordeste, com mais tempo de sol. O que temos hoje são estudos isolados, é preciso conhecer esses dados mais profundamente. Até que isso aconteça, sou favorável apenas a uma ampliação da oferta de produtos com quantidade maior de vitamina D no supermercado.

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Referências:

  1. [1] Keegan RH, Lu Z, Bogusz JM, Williams JE, Holick M. Photobiology of vitamin D in mushrooms and its bioavailability in humans. 2013. Disponível em [https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3897585/]
  2. [2] Recomendações da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) para o diagnóstico e tratamento da hipovitaminose D. 2014. Disponível em [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302014000500411]
  3. [3] Tangestani H, Djafarian K, Emamat H, Arabzadegan N and Shab-Bidar S. Efficacy of vitamin D fortified foods on bone mineral density and serum bone biomarkers: A systematic review and meta-analysis of interventional studies. 2019. Disponível em [https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/10408398.2018.1558172?journalCode=bfsn20]
  4. [4] Moulas AN, Vaiou M. Vitamin D fortification of foods and prospective health outcomes. 2018 Disponível em [https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0168165618306096]

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